terça-feira, 22 de outubro de 2013

Isto é água

     Eu tive a minha fase David Foster Wallace e um dos meus textos preferidos dele foi justamente esse, "Isto é água", foi feito como discurso para uma turma de formandos de artes no Kenyon College. Aí vai um trecho:
     "Temos dois homens sentados juntos num bar numa região remota do Alaska. Um deles é religioso, o outro é ateu, e os dois estão discutindo sobre a existência de Deus com a intensidade especial que vem depois da quarta cerveja. E o ateu diz: “Olha, não é como se eu não tivesse razões verdadeiras pra não acreditar em Deus. Não é como se eu nunca tivesse experimentado essa coisa toda de Deus e crenças. Mês passado uma nevasca terrível me pegou longe do acampamento, eu estava completamente perdido, e não conseguia ver nada, e marcava 50 graus negativos, então eu tentei: eu caí de joelhos na neve e gritei ‘Ó Deus, se existir um Deus, eu tô perdido nessa nevasca, e eu vou morrer se você não me ajudar!’” E agora, no bar, o cara religioso olha confuso pro ateu. “Bem, então você deve acreditar agora”, diz ele. “Afinal, aqui está você, vivo.” O ateu rola os olhos. “Não, cara, o que aconteceu é que dois esquimós por acaso apareceram por lá e me mostraram o caminho do acampamento.”
      É fácil fazer uma análise literária dessa história: a mesma exata experiência pode significar duas coisas completamente diferentes para duas pessoas completamente diferentes, considerando os diferentes modelos de crença e as diferentes formas de construir significado de uma  experiência . Porque nós valorizamos tolerância e diversidade de crença, não queremos na nossa análise afirmar que a interpretação de um é verdadeira e a interpretação do outro é falsa ou ruim. E isso é bom, só que nós também acabamos nunca falando sobre de onde vêm esses modelos e crenças diferentes, ou seja, de onde vêm essa crença interna de cada um desses dois homens. 
     É como se a orientação ao mundo mais básica de uma pessoa e o significado de sua experiência fossem de alguma forma simplesmente impressos nos genes, como altura ou tamanho do sapato – ou automaticamente absorvidos da cultura, como linguagem. Como se a forma com que construímos significado não fosse  uma  questão de escolha pessoal e intencional. Além disso, há toda a questão de arrogância. O ateu está completamente certo na sua rejeição da possibilidade de que os esquimós tiveram qualquer coisa a ver com sua oração e pedido de ajuda. Verdade, existem também muitas pessoas religiosas que parecem arrogantes e certas de suas próprias interpretações. Elas provavelmente são muito mais repulsivas do que os ateus, pelo menos para a maioria. Mas o problema do religioso dogmático é exatamente o mesmo do descrente da história: certeza cega,  uma mente fechada que representa um aprisionamento tão completo que o prisioneiro nem sabe que está encarcerado."
     Texto na íntegra. Para quem tem preguiça de ler eis em vídeo, tirado do canal da Tati Feltrin.

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