sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sobre ser futura médica 5


Imaginem a seguinte situação: uma paciente chega encaminhada ao ambulatório de patologia cervical. Ela vem com um resultado de exame preventivo nas mãos,  que tem como resultado "lesão intraepitelial de baixo grau" (LSIL). Diz que foi atendida previamente e informada de que isso não é nada grave, só uma feridinha, mas que se não acompanhar pode virar câncer. Sem mais explicações, levando em consideração toda a conotação da palavra câncer, a paciente conclui que, caso não se faça nada rapidamente, ela vai desenvolver um câncer avançado em pouquíssimo tempo e que pode morrer disso.

Aqui abro parênteses para esclarecer que, para essa moça, esse exame não é indicado e que, levando em consideração a idade dela (22 anos) o resultado não significa nada além de um grande susto e aborrecimento desnecessários. Não se colhe preventivo em mulheres (hígidas) abaixo dos 25 anos, pois mesmo que a prevalência de DNA-HPV seja alta, na grande maioria dos casos o próprio organismo elimina o vírus, ou seja, as lesões regridem sozinhas! No entanto uma vez colhida a citologia, a conduta deve ser expectante uma vez que, nessa faixa etária, foi observada regressão de LSIL em 60% dos casos em um período de 12 meses e de até 90% em três anos.  Para quem quiser mais informações aqui estão as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo de Útero.

Voltando ao caso, no primeiro momento tenho que acalmar a paciente super ansiosa (e com razão para isso!), taquipsíquica e taquilálica a ponto de não me deixar concluir sequer uma frase. Depois disso explico a ela o que deveria ter sido explicado (e que não foi) e o motivo pelo qual não estava indicada a realização do exame, que ela insistia em refazer com um intervalo de 2 meses do anterior.

Minhas tentativas  de argumentar com ela que só havia necessidade de refazer em 1 ano o dito exame foram frustradas e, então, fui salva pela minha professora, que pareceu ouvir os gritos de socorro que eu estava mentalizando. Ela finalmente conseguiu fazer com que a paciente entendesse o que eu estava tentando falar nos últimos 20 minutos. 

Onde eu quero chegar com essa história? Vejam bem, seja interno ou seja médico, somos vistos como figura de autoridade diante de um paciente. Nós tivemos duas pacientes com essa mesma história no mesmo dia.  O que aconteceu hoje poderia ter sido evitado. Até esse momento eu nunca tinha parado para pensar no impacto que as palavras ditas por um médico têm na vida de um paciente. Temos que ser muito bem informados, principalmente em relação às atualizações dentro da área da especialidade que escolhemos. 

Já ouviram a frase "A ignorância é uma benção."? Em alguns casos pode ser uma maldição... Estou pensando agora na quantidade de coisas que não sei, no tamanho da minha própria ignorância. O jeito de amenizar isso é correr atrás, estudar sempre. Haja responsabilidade!

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