quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Sobre ser futura médica, primeiro contato com um paciente

A primeira vez que me vi diante de um paciente, no quarto período, estava junto de uns vinte e poucos alunos dentro de um anfiteatro. Ele estava lá na frente, sentado tranquilamente na cadeira enquanto meus colegas o bombardeavam com perguntas e eu, de longe, estava petrificada sentada no fundo da sala. "É uma pessoa de verdade. Estou lidando com uma pessoa!". Sei que parece ridículo esse tipo de pensamento passar pela cabeça de um estudante de medicina, afinal, optamos por lidar diretamente com gente! No entanto eu estava aterrorizada diante dessa situação. 

Timidamente fui me acostumando com a situação, demorei muito para colher uma história sozinha e, confesso que só fui fazer isso no quinto período, meio ano depois! Loucura, não? Não é não. Lidar com o paciente não é algo trivial. Cada pessoa é única e nós nunca saberemos o que esperar da pessoa que está na sua frente quando falarmos "Bom dia, em que posso ajudar?" ou qualquer outra pergunta similar. Tudo é incerto! Isso não se ensina em livros, você vai 'pegando o jeito' com a prática. Isso me dava medo, muito.

Demorou cerca de dois períodos para que eu parasse de ficar cheia de placas vermelhas no rosto e no pescoço enquanto colhia uma história e examinava um paciente. E mais um período para que eu conseguisse sentar em uma mesa e atender alguém sozinha. Na verdade eu só fui fazer isso quando uma professora minha, muito querida, virou para mim, com uma mãe e seu bebê de 30 dias ao seu lado, e disse "Atende, que esse é pra você!". 

A minha resposta, quase como um pensamento exteriorizado, foi automaticamente essa "O que que eu faço primeiro?". Por incrível que pareça, apesar do branco inicial, sentei com a mãe e comecei a colher a história e, quando vi, já estava examinando com a professora e dando hipóteses diagnósticas que, para minha surpresa, estavam corretas! Terminei a consulta me sentindo mais leve.

E assim foi, assim será sempre. A vida é feita de superações, quebras de barreiras. Eu posso ser mais lenta, demoro para chegar onde quero, mas chego. Tenho que passar a enxergar o fato de que sempre me supero, sempre vou me surpreender com as minhas próprias capacidades. Sempre vou vencer distâncias.

domingo, 17 de agosto de 2014

Sobre tomar coragem e compartilhar algumas coisas. Sobre ansiedade,sobre depressão.


Com os últimos acontecimentos tenho visto vários depoimentos sobre depressão. Muitos assumindo a doença, compartilhando como venceram ou como convivem com ela. O engraçado é que vêm de pessoas que você nunca esperava, não é? Pois bem, é assim mesmo, digo, a doença, quem tem muitas vezes esconde. Por quê? Talvez por medo de ouvir que é frescura, que é falta do que fazer, que "mas você tem uma vida perfeita"! Infelizmente foi necessário que uma notícia como o suicídio do Robin Williams abrisse os olhos das pessoas para a gravidade da doença, para que muitos passassem a "entender" a doença como doença!

Talvez não seja novidade para alguns, mas eu também tenho depressão. Na verdade transtorno misto de depressão e ansiedade. Ouçam bem, eu disse que tenho depressão, não que a depressão me tem! Por um tempo ela governou, por um tempo fiquei presa nesse casulo. Agora estou bem, há alguns meses já sem nenhuma recaída. Sim, tomo remédios, sim, faço terapia! Sim, sou humana! Sim, estou zelando pela minha saúde.

Aí vai um texto que escrevi no início do ano, pensando em postar aqui, mas me faltou coragem para isso. Na época eu não estava tão bem quando estou agora. Andei conversando sobre depressão com muita gente e descobri que compartilhar ajuda. Eu me sentia anormal por ter "desabado" tão perto do final da faculdade, mas descobri que tenho muitos colegas que também "surtaram" (cada um de sua maneira) durante esses últimos períodos. Não tenho que ter vergonha de mim mesma por isso. 

Às vezes tenho a nítida impressão de que o mundo gira e as coisas seguem seu curso e eu fico parada, para trás. Agindo apenas como espectadora, passivamente, olhando minha vida acontecer. Tudo é tão rápido e desorganizado e eu não tenho tempo de respirar e pensar no que acabou de ocorrer. Não. O mundo não vai parar para mim e quanto mais eu ficar parada, pior. Pior vai ser a corrida atrás do tempo perdido.
Incontáveis foram as minhas desculpas para me esquivar do ato de vivenciar minhas experiências. Por que fujo assim? Por medo, medo de não estar vivendo certo. Afinal, o que mesmo é viver de maneira correta? Existe isso, existe uma fórmula? Não, provavelmente eu que inventei isso também. O medo de errar o viver, tão forte e intenso que me paralisou, fez com que eu me esquivasse até das coisas mais simples do cotidiano, fez com que eu buscasse, no conforto do sono, uma rota de fuga.
Essa esquiva vira culpa, essa culpa potencializa o medo, que me paralisa mais e esse ciclo é interminável. Cada vez mais faço menos coisas, cada vez mais sinto menos vontade de seguir em frente, menor é a vontade de viver. O caminho, que já era longo, ficou maior ainda quando eu parei. Eu queria apertar um botão de congelar a vida.
Era assim que eu me sentia quando, no meio do ano de 2013, nas vésperas do meu aniversário, caí em depressão. Na verdade eu já estava nesse estado melancólico bem antes, provavelmente há alguns anos em processo de negação, não deixando transparecer nada. Foi o pior sentimento que tive em toda a minha curta existência. Agora estou me recuperando, ganhando forças. A doença continua e, às vezes eu ainda afundo, mas sempre volto à superfície. 
Nado devagar, de acordo com as minhas limitações. Aceitar as limitações é um processo novo para mim e um tanto quanto complicado. Assim como comemorar as pequenas vitórias.  Aprendi que, na realidade, toda vitória é uma vitória e nenhuma delas tem nada de pequena! Todas são exemplos diários e argumentos para mim mesma de que eu sou capaz de quebrar barreiras, de avançar e de viver. 
Ainda acredito que há uma maneira certa ou errada, não de se viver,  mas sim quanto às escolhas que se faz e a relação delas com o modo que se lida com as consequências por elas trazidas. No meu caso o medo era tanto que eu não conseguia mais fazer escolhas e as consequências disso foram desastrosas. No entanto, reconheço que, se isso não tivesse acontecido comigo, provavelmente eu ainda estaria a deriva vendo o barquinho da minha vida passar e alcançar o horizonte sem mim. (Janeiro, 2014)




sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sobre ser futura médica 5


Imaginem a seguinte situação: uma paciente chega encaminhada ao ambulatório de patologia cervical. Ela vem com um resultado de exame preventivo nas mãos,  que tem como resultado "lesão intraepitelial de baixo grau" (LSIL). Diz que foi atendida previamente e informada de que isso não é nada grave, só uma feridinha, mas que se não acompanhar pode virar câncer. Sem mais explicações, levando em consideração toda a conotação da palavra câncer, a paciente conclui que, caso não se faça nada rapidamente, ela vai desenvolver um câncer avançado em pouquíssimo tempo e que pode morrer disso.

Aqui abro parênteses para esclarecer que, para essa moça, esse exame não é indicado e que, levando em consideração a idade dela (22 anos) o resultado não significa nada além de um grande susto e aborrecimento desnecessários. Não se colhe preventivo em mulheres (hígidas) abaixo dos 25 anos, pois mesmo que a prevalência de DNA-HPV seja alta, na grande maioria dos casos o próprio organismo elimina o vírus, ou seja, as lesões regridem sozinhas! No entanto uma vez colhida a citologia, a conduta deve ser expectante uma vez que, nessa faixa etária, foi observada regressão de LSIL em 60% dos casos em um período de 12 meses e de até 90% em três anos.  Para quem quiser mais informações aqui estão as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo de Útero.

Voltando ao caso, no primeiro momento tenho que acalmar a paciente super ansiosa (e com razão para isso!), taquipsíquica e taquilálica a ponto de não me deixar concluir sequer uma frase. Depois disso explico a ela o que deveria ter sido explicado (e que não foi) e o motivo pelo qual não estava indicada a realização do exame, que ela insistia em refazer com um intervalo de 2 meses do anterior.

Minhas tentativas  de argumentar com ela que só havia necessidade de refazer em 1 ano o dito exame foram frustradas e, então, fui salva pela minha professora, que pareceu ouvir os gritos de socorro que eu estava mentalizando. Ela finalmente conseguiu fazer com que a paciente entendesse o que eu estava tentando falar nos últimos 20 minutos. 

Onde eu quero chegar com essa história? Vejam bem, seja interno ou seja médico, somos vistos como figura de autoridade diante de um paciente. Nós tivemos duas pacientes com essa mesma história no mesmo dia.  O que aconteceu hoje poderia ter sido evitado. Até esse momento eu nunca tinha parado para pensar no impacto que as palavras ditas por um médico têm na vida de um paciente. Temos que ser muito bem informados, principalmente em relação às atualizações dentro da área da especialidade que escolhemos. 

Já ouviram a frase "A ignorância é uma benção."? Em alguns casos pode ser uma maldição... Estou pensando agora na quantidade de coisas que não sei, no tamanho da minha própria ignorância. O jeito de amenizar isso é correr atrás, estudar sempre. Haja responsabilidade!