quinta-feira, 17 de abril de 2014

Estigma


Um dia minha priminha de 8 anos me perguntou: "Você vai ser pediatra?" Respondi que não, que eu seria psiquiatra. Ela me vira e diz: "Ah, então você vai cuidar de maluco?". E a ideia continua, apenas oito aninhos, já associando psiquiatra com louco. Expliquei à ela que não era bem assim, mas não fui muito convincente. Com essa conversa lembrei de  um texto que publiquei no face, há muito tempo.

"O estigma de receber um diagnóstico de doença psiquiátrica. Um mundo novo surge. Por mais que se tente atenuar usando a palavra síndrome ou a palavra transtorno, não se consegue tirar o peso dessa porta que se abriu. Automaticamente todos caem num mesmo saco, o saco dos loucos, o estigma é esse e, infelizmente, não vai mudar tão cedo. Isso dificulta a própria aceitação do diagnóstico.


O preconceito ainda existe na forma dessa associação do médico psiquiatra com o paciente louco. Se não fosse por essa ideia pré concebida muitas pessoas que foram à ruína, ao fundo do poço, ao esgotamento teriam pedido ajuda antes. Antes que fosse tarde demais. Antes de pular da ponte, antes de engolir uma cartela de remédio, antes de cortar os pulsos, antes de cair em depressão."

Aliás, quanto à depressão... Apesar de todo o estígma, ter depressão está na moda, as pessoas confundem tristeza, confundem tédio com depressão, o que acaba por ofuscar os que realmente tem a doença, muitos médicos não levam a sério as queixas.  Uma vez, na enfermaria, estávamos conversando sobre uma paciente, com depressão. Uma amiga falou: " Essa paciente é psiquiátrica." (o que está correto). Logo em seguida outra colega vira: "Ela não é psiquiátrica!" e eu viro e digo: "É sim." Então, a mesma colega responde: "Ela só está deprimida." e " Se for assim eu também sou psiquiátrica então!". Imagina, "só deprimida". Aliás, o mais triste foi, ouvir de uma colega, estudante de medicina,  essa ideia tão negativa do paciente psiquiátrico. 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Anorexia nervosa


3:50 da manhã, já nem precisa mais de despertador, já acorda sozinha. Hora de levantar e iniciar sua rotina. Trocar o pijama quentinho para roupa de ginástica é duro, principalmente no inverno, mas é para um bem maior. A calça está larga, diz esboçando um sorriso. Põe um tapete no chão, tem que ser silenciosa, não pode acordar ninguém! 

Sentada no tapete começa a calcular: 100 abdominais equivalem a 30Kcal, então ela deve fazer mil, no mínimo. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7,..., 24, 25. Agora faltam só 39 séries de 25. Andar em círculos no quarto seria mais fácil, mas os abdominais são mais silenciosos. Se ontem conseguiu fazer 500, por que não conseguiria fazer mil hoje? 

20 séries de 25. Está morrendo de dor. 500, igual a ontem. Ok, preciso fazer mais 100. 500 equivalem a 150Kcal, com mais 100 chego a 180kcal. Depois eu me permito descansar por meia hora e começo a andar em círculos pelo quarto, 40 minutos de caminhada são 99Kcal. Com isso deve conseguir cobrir o café da manhã, tem que queimar o que comer.  Terminada a rotina, hora do banho. Não tem mais espelhos no banheiro, nem balança. Retiraram.  Sua mãe grita para vir comer. Não pode ser no quarto? Sozinha? Nem pensar, todos a vigiam. 

Chega na cozinha e o café da manhã mudou. Não pode mudar! Precisa comer sempre a mesma coisa, é mais seguro! Não quer muffins, mas tem que comer. E iogurte. Começa a suar frio, o coração acelera. Senta-se à mesa, e começa a picar os bolinhos em pedacinhos cada vez menores. O processo de comer foi tão longo que quase perdeu o ônibus. Está ansiosa, vasculha na bolsa seu SOS. 5 gotas de clonazepam. Ela vai dormir na aula. Tudo bem, uma hora dormindo equivale a gastar 65Kcal.

Na foto:  Isabelle Caro, ex-modelo francesa, em campanha contra anorexia, faleceu em 2010, lutando contra anorexia, que tinha desde seus 13 anos. Esse é um transtorno psiquiátrico grave, que mata, aliás, um dos que mais mata, talvez o que mais mate.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Sobre ser futura médica 4



"É no internato que mais se aprende!". Já ouvi muito essa frase de diversos amigos e professores. Sim, estão certos, de fato é onde mais estou aprendendo. Outra frase que já ouvi durante a minha vida toda é aquela clássica de que só aprendemos com os erros. Pois bem, concordo, aprendo com os meus erros e com o dos outros. E, ultimamente, tenho aprendido muito.
Na condição de interna estou na base da cadeia alimentar, só ganho dos períodos abaixo. Estou no primeiro período do internato e comecei a rodar justo onde se encontram os deuses e semi-deuses do hospital. No monte Olimpo do hospital onde estudo, me dei conta de que não tenho voz, sou "só a interna". Sou só uma das pessoas que evoluem os pacientes, que levam para fazer alguns exames, que basicamente tocam o serviço da enfermaria enquanto os deuses e semi-deuses estão em ou outro lugar,  treinando suas habilidades manuais. Confundindo pessoas com objetos, suponho eu. 

Tenho observado que, cada vez mais, tratam a doença, não o doente. Esquecem que por trás de uma colecistite, apendicite, câncer de cólon, de estômago, de pâncreas, seja lá do que for, tem um paciente. Isso gera uma revolta em mim, fico com raiva e frustrada ao mesmo tempo. Presencio situações muito erradas, desrespeitosas até, mas na minha condição dentro do monte Olimpo, estou de mãos atadas, sou "só a interna". Só a pessoa que "você deve ter se enganado, não aconteceu assim"!

Sou obrigada a aturar isso, de boca fechada. Pois bem, aprendo com exemplos. Dizem que a faculdade é muito técnica, que não aprendemos algumas coisas. Realmente, não existe um livro com o segredo de ser um bom médico. No entanto, eu, na minha humilde posição de interna, digo que a faculdade ensina muito mais do que pensamos que aprendemos, o problema é que só aprende quem quer, quem consegue observar o que acontece a sua volta e refletir sobre os fatos ocorridos. E, olha, acontece tanta coisa, mas tanta coisa a minha volta, que eu chego até a ficar sobrecarregada com o "aprendizado indireto".

Infelizmente, parte da afirmativa que fiz lá em cima, é verdadeira. Ninguém aprende a ser honesto e responsável na faculdade. Ninguém aprende a se importar com o próximo na faculdade. Isso vem de berço! Ninguém aprende a ter empatia pelo doente, isso é da personalidade de cada um. Podemos até desenvolver simpatia pela situação, o que ajuda na relação médico paciente, mas uma pessoa que não tem empatia, muito provavelmente, se não receber um empurrãozinho, ficará "desconectada".

Eu sou ingênua, cada vez que presencio algo de errado eu fico surpresa. Diante de alguns absurdos que vejo, fico pensando em como, cada vez mais, pessoas são capazes de fazer atrocidades. Uma vez, no medcurso, presenciei a seguinte cena: uma menina que estava com a perna imobilizada foi chamada atenção por apoiar a perna numa cadeira ao lado. A justificativa dada pela funcionária era de que alguns alunos vieram reclamar que ela estava atrapalhando a passagem. Ela teve que mudar de lugar. Pedir licença não existe não? Nem mudar de caminho? Eu fico aqui pensando: "Essa é a geração de futuros médicos..." 

quinta-feira, 10 de abril de 2014

O jardim que não floresce

Era uma tarde qualquer. Nem quente nem fria. Nem sol nem chuva. Totalmente sem sal. Sair da cama foi difícil, apesar de estar desperta desde as 5. Tudo era muito complicado, que demora para levantar! Tarefa outrora tão simples, agora tão árdua. Por mais que tenha passado 7 horas deitada na cama, no quarto escuro, dominada por estranhos pensamentos, ainda tinha o dia todo pela frente! Já estava cansada só de pensar nisso.

Contou até 3 algumas vezes até que numa hora conseguiu se livrar das cobertas. É só pisar no chão, levantar e abrir a janela, vamos lá, força! Seguiu cabisbaixa pelo corredor, passou pelo banheiro, ignorando o espelho, pensou em tomar banho, mas logo desistiu, não tinha planos de sair mesmo. Que dia é hoje mesmo? Ainda estamos em agosto? Não sabia, não ligava. Nada mais importava. Seguiu até a cozinha.

Passou pelo telefone, repleto de chamadas perdidas e mensagens não lidas. Depois vejo isso. O que ía fazer mesmo? Ah, sim, água, cozinha. Onde mesmo que guardei os copos? Olhou em volta e, por fim, lembrou. Pegou sua água, seguiu para a sala e, sem acender a luz, sentou no sofá. Seria capaz de passar mais sete horas sentada olhando para o nada. Bebeu a água. Olhando em volta reparou nas revistas acumuladas, jornais e contas empilhadas na mesa. Fui eu que arrumei isso? Não lembro... 

Suspirou. Deitou no sofá e tentou escapar da realidade novamente, mas não obteve sucesso. Seria melhor que eu acabasse com isso logo, por que é que um raio não cai logo na minha cabeça?! Lágrimas escorreram pelo rosto. Eu queria sumir, nunca mais aparecer! Não faria falta nem seria peso na vida de ninguém! Queria morrer, mas sou tão covarde. Covarde até para isso! Levantou-se e foi até as pilhas de jornais. Tinha um bilhete em cima, nele estava escrito: "Você precisa de ajuda! Ligue para mim, por favor, beijos, da sua amiga, Marina".

Marininha. Cresceram juntas. Pegou o bilhete e o abraçou, mais lágrimas caíram. Elas estavam sempre unidas. Por que é que me afastei tanto de todos? Não encontrou nenhuma resposta. Enxugou o rosto, pegou o telefone e ligou. "Clarinha! ainda bem! Estava preocupada, vou para sua casa agora mesmo!". Entre lágrimas e soluços consegue responder. "Marina, acho que meu jardim está morto, nada mais cresce nele...". 

sábado, 5 de abril de 2014

Poesia da semana

Girl before a Mirror - Pablo Picasso,1932
Meus olhos sorrindo
Esconcondem o que realmente sinto.
Minha boca, fechada num sorriso,
Prende minhas palavras.
É assim que sou,
Aos olhos dos outros,
Fonte de luz.
Olhando para dentro,
Vejo tudo que é sentimento,
Um furacão de emoções,
Preso, querendo sair.
Enquanto isso o sorriso permanece,
A mesma máscara sempre,
A mesma calmaria aparente.

- Mariana Carpilovsky (17/02/2014)