sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Sobre ser futura médica 3


Estou desenvolvendo cada vez mais a minha capacidade de confortar os outros. Ao contrário do que muitos pensam, a medicina não é exatamente uma ciência da cura. Na maioria das vezes não se cura nada, apenas se controla uma condição. Outras vezes a única coisa que temos para oferecer são cuidados paliativos e, quando nem isso é possível, só nos resta a lábia, o tato.

Temos esse paciente, que está no momento no CTI. A esposa dele sabe que ele não volta para casa e nos pede encarecidamente para que o marido ao menos não sinta dor, fique confortável. Ao falar conosco ela chora. Eu consegui, com um pouco de custo, não chorar junto, afinal a família do paciente não está lá para nos confortar! É justamente o contrário, nós não somos responsáveis apenas pelos pacientes em si, temos que saber lidar com a família também.

Apesar do paciente ter apresentado melhora de manhã, ter saído da ventilação mecânica, de tarde ele parou, precisou ser sedado novamente e reintubado. Estava próximo ao horário da visita e não sabíamos como falar com a esposa dele, que já estava sabendo da "melhora do marido". A visita da saúde, sabe como é né? Eu acredito nisso e, ainda bem, a esposa dele também! Ela esperava por isso… Eu, ingenuamente, por esquecimento, não. Tentamos adiantar a hora da visita, mas não conseguimos. Foi revoltante, temíamos que o paciente falecesse sem que a esposa pudesse vir vê-lo, ele estava tão instável. No entanto deu tudo certo, ele continuou lutando. 

A cena dela orando com  ele foi emocionante, ver no monitor a frequência cardíaca dele aumentando de 60 para 102 no momento em que a esposa começou a conversar com ele foi muito linda. Ele sabia que ela estava lá, mesmo sedado! Nessa hora minha colega e eu saímos, com o coração na mão.  E para completar o dia, a senhorinha comprou uma lembrancinha para cada pessoa que cuidou do marido. Não saímos bem do CTI, lógico, mas, pelo menos, saímos sabendo que conseguimos dar a atenção necessária à esposa do paciente, que ela sentiu que o marido dela não ficou totalmente desamparado.

What a day! Totalmente pesado, cheio de aprendizados que nenhum livro de medicina ensina. É, o internato não é por só a teoria em prática, é muito mais que isso. É mergulhar na realidade, aprender a nadar nela, sem bóia!  Ainda estamos engolindo um pouco de água, mas não nos afogamos. 
        
        No final do dia fui ao jardim do hospital para dar uma respirada. É impressionante como não damos atenção ao que está na nossa frente. Só fui descobrir hoje que o jardim de lá era bonito!

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Sobre ser futura médica 2

     Vim aqui falar sobre o sentimento de impotência. Por mais que já tivesse ouvido da boca da minha mãe que esse é um sentimento com o qual muitas  vezes vou me deparar, nunca acreditei que fosse sentir isso tão cedo. Na condição de interna, logo na segunda semana do internato em cirurgia, a realidade me deu um tapa na cara e, dias depois, me deu outro tapa. 

     Ver um paciente fora de possibilidades terapêuticas, sofrendo, foi muito duro. Eu já tive contato com outros pacientes assim no CTI, mas todos sedados, confortáveis. Uma paciente, lúcida, que mal conseguia falar, ofegante, olhou nos meus olhos e disse: "Doutora, eu vou morrer!" 

     Isso me quebrou. Eu não conseguia pensar em nada além de segurar a mão dela e falar com uma voz suave para ela se acalmar, falar algumas palavras de conforto. Fiquei segurando as mãos dela por uns minutos. O que ela disse era verdade, ela iria morrer, ela sabia disso, a família sabia, eu sabia. Eu não podia fazer mais nada. 

     Não que eu ache que, na condição de interna, eu tivesse capacidade de intervir. A minha vontade era de pedir para que alguém sedasse ela, desse mais conforto, nem sei se seria a melhor conduta ou não, mas ver o próximo sofrer sem poder fazer nada estava me matando. Felizmente, sim, felizmente, essa paciente agora descansa, mas acho que as últimas palavras dela ficarão gravadas na minha memória para sempre. 

      Eu tirei uma lição muito positiva apesar de tudo. Eu aprendi que, por mais que eu queira, não posso carregar o mundo nas costas, que ninguém é capaz de resolver tudo. Que o mais importante é ter a consciência de que você fez o que estava ao seu alcance no momento. 

     A impotência eventualmente esbarra conosco, pode nos derrubar, mas nos levantamos. Agora, eu gostaria muito de saber quando é que eu passarei a me machucar menos durante a queda...